O ir e vir de valores arquitetônicos ao longo dos séculos demonstra a prevalência de certos parâmetros em detrimento de outros em cada período histórico. Em termos de composição, uma das leituras mais básicas gira em torno de questões de simetria e equilíbrio. De fato, um projeto não precisa ser simétrico para dar a ideia de equilíbrio compositivo. Seus elementos não precisam estar repetidos lado a lado para que o todo passe uma ideia de completude, estabilidade e… simetria, paradoxalmente. Grande parte dos projetos contemporâneos se vale de um todo compositivo equilibrado sem repetir seus elementos, inclusive.
Contudo, a simetria – neste caso especificamente representada pela repetição – continua proporcionando uma sensação visual agradável e, por vezes, até dinâmica. Mais uma vez, paradoxalmente. Parte desta dinâmica criada via repetição tem a ver com o movimento do observador. À medida que se desloca no espaço, ângulos, posições, perspectivas mudam, de forma que elementos repetidos “movem-se” junto com a pessoa que olha. Caminhar ao lado de um gradil pode ser o exemplo mais banal deste efeito.
No caso da repetição volumétrica, a sensação de dinamismo se acentua a depender das formas e da luz. Uma sequência de cumeeira de telhados é lida em termos de movimento, ao contrário de uma longa linha horizontal, como as residências 3 em 1 ou a habitação Villa Verde. Além disso, as reentrâncias juntamente com o curso solar e projeção de sombras ao longo dos dias transformam o que seria monótono em estimulante. Volumes com diferentes alturas e profundidades podem criar efeitos múltiplos e vistas bastante gráficas ou até mesmo labirínticas. No caso do conjunto habitacional SONATA, os volumes e escadas aparentes movimentam o que se imaginaria da monotonia de casas repetidas, sem deixar de evocar as perspectivas impossíveis de M. C. Escher.
O conjunto de elementos repetidos cria uma textura visual, que, no campo da fotografia de arquitetura, é explorado recorrentemente, com resultados bastante instigantes, que beiram a desconfiança entre montagem e realidade. Projetos fotográficos como os de Martín Volman, Pollo Lavín ou Jorge Taboada se valem da repetição para criar texturas compositivas impressionantes ao mesmo tempo que trazem implícitas questões sobre a voracidade construtiva e consumista, muito à maneira da fotografia 99 Cent, de Andreas Gursky.
Em termos arquitetônicos e projetuais, a repetição parece muito associada à escala: edifícios em altura, habitações sociais, fábricas. De certa maneira, para programas como esses, faz sentido que se repitam elementos em função do prazo, orçamento disponível, sistemas construtivos. Em programas com áreas mais robustas, a repetição de elementos “facilita” certas funções, sem necessariamente ser sinônimo de empobrecimento projetual, como provam a Escola Shiv Nadar e a Fábrica Mallcom. Em se tratando de sistemas construtivos, o retrofit Brigadeiro unifica e atualiza a fachada de um edifício em altura ao mesmo tempo que resolve demandas primordiais da situação apresentada.
Em compensação, a leitura contemporânea não se demonstra muito acolhedora em relação à repetição. Associam-se a ela questões de reificação, uniformização e falta de identidade. Ademais, na escala urbana, uma cidade uniforme não oferece referência para a orientação de seus transeuntes, e a percepção também passa a se anular sem estímulo que chame sua atenção – embora as vistas aéreas causem a mesma sensação agradável da textura visual da repetição das fachadas. Os problemas associados à repetição são considerações válidas, e um exercício de projeto que se coloca aos arquitetos é como se aproveitar da textura visual, do padrão gráfico tridimensional sem que o edifício se converta numa mera torre, semelhante às tantas outras a sua volta. O edifício residencial do Penda é uma resposta a essa mesma pergunta.
Apesar dos pesares, a repetição pode ter a ver com uma citação de outros períodos, outros projetos, outros arquitetos, e alguns deles fazem uso dela como estratégia projetual. Talvez o caso mais significativo seja Aldo Rossi, que na primeira metade de sua carreira, fez uso quase obsessivo dos mesmos elementos em projetos diversos, na tentativa de chegar a uma espécie de “mínimo denominador comum” que evidenciasse a permanência de formas seculares na arquitetura. Essa atitude pode parecer superada nos dias atuais, mas o fato é que é possível mapear as pequenas ocorrências que remetem (e repetem) suas precedências, como os ballatoi milaneses repetidos no Edificio SFJ6, na Espanha.
É verdade que, partindo das perspectivas e vistas específicas dos projetos de Rossi, as alusões e correspondências parecem inúmeras. O Museu das Coleções Reais faz uso do corredor composto por elementos verticais – na forma de pórticos ou pilares – que funcionam como repertório arquitetônico e certamente causam impacto no visitante. Ainda sem fugir à referência rossiana, o projeto para uma habitação social em Abragão mantém a linguagem retilínea, algo modular e sóbria tão característica dos projetos do italiano por volta de 1970.
Se se considera a repetição como padrão (pattern), as correspondências ocorrem como que ao acaso, pois prioriza-se o aspecto formal sem ligação com exemplos históricos. No caso do projeto para o posto de gasolina HELLO, a cobertura abobadada é inspirada nos campos de arroz chineses, embora, para os brasileiros, possa trazer à mente (em considerável medida por causa do programa) o projeto da concessionária Disbrave, do mestre João Filgueiras Lima, o Lelé.
No senso comum, repetição significa algo que acontece de novo e de novo, algo que se duplica, uma forma de simetria. O foco se dá pela via do monótono, uniforme e homogêneo. O que não se reforça é que a repetição também diz respeito aos padrões (mais ou menos complexos), aos fractais, às formas que criam novas formas. Talvez não se trate de uma questão de paradoxo, e sim de uma questão de perspectiva.
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